8 de junho de 2006

Educação sexual

Sexo é coisa muito simples.

Eu explico os essenciais em poucas linhas. Mas, para que as explicações expliquem, é preciso começar no lugar certo.

Quem começa explicando o sexo falando sobre sexo explica errado. Sexo não começa nos genitais e nas coisas que eles fazem. Pra se entender de violino há de se começar com a música. Pra se entender o sexo há de se entender a música que ele toca.
Numa orquestra são muitos e diferentes os instrumentos. Cada um produz som de um jeito. Basta comparar um flautim com uma tuba. Mas todos tocam a mesma música. Todos querem produzir beleza. O corpo é uma orquestra. São muitas as suas partes, e diferentes. Mas todos tocam a mesma música.
A música que o corpo quer tocar chama se prazer. Freud disse. Mas não foi novidade ou descoberta. Freud só fez repetir o que muitos pensadores e poetas haviam dito antes dele. Freud só fez lembrar aquilo que havia sido esquecido.

Os instrumentos da orquestra do corpo são os órgãos.
Os órgãos todos , todos eles , têm uma função prática: são ferramentas. Os olhos são ferramentas para se ver o que está longe. Vejo caqui vermelho no caquizeiro. Se eu não tivesse olhos meu corpo passaria a um metro do caqui, indiferente. Mas os meus olhos vêem. Eles vêem, o corpo deseja. Querem comer o caqui. Mas o olho sozinho não come nada. O corpo convoca então um outro instrumento: a mão. A mão é uma ferramenta para segurar. A mão segura o caqui. O corpo dá ordens ao braço. Ele se movimenta leva o caqui a boca. A boca é outra ferramenta. Com a boca se come. A boca serve para colocar dentro do corpo aquilo que estava fora. A boca mastiga , os dentes são pilões. Os ouvidos são ferramentas que entram em funcionamento no mundo do sons, onde os olhos não entram. Ouvimos o despertador, o telefone, as noticias do rádio, a sirene da ambulância. O médico ouve as batidas do coração. O nariz por sua vez se move no mundo dos cheiros, onde nem olho nem ouvido penetram. O cheiro bom nos seduz a aproximação: as flores do jasmim , o churrasco, o perfume francês. Já, os odores, utilíssimos, nos dizem que algo está errado. Alguém deixou o gás aberto: perigo de explosão ou envenenamento! mau hálito: deve haver algo de errado com a boca ou com o estômago. Chulé: sinal de fermentação e micose no pé. Isso que disse desses órgãos vale para todos , todos tem uma utilidade.
Além disso esses mesmos órgãos e membros são Lugares de prazer. O olho tem prazer vendo o caqui , o por do sol, o rosto amado , o quadro. Os meus têm deleite pessoal nas telas de Monet. Pelos ouvidos entra a música , o ruído da chuva, o repicar de sinos distantes. Na boca os prazeres do vinho, do salmão, do grelhado com alcaparras, da jabuticaba. Cada órgão sente prazer de uma forma especial, que lhe é peculiar.
Entre os órgãos da orquestra do corpo estão os órgãos sexuais. Não há nada de especial que os distingua dos outros. Como os demais órgãos eles são fontes de prazeres. Os prazeres do sexo são variados. Vão desde uma sensação muito suave que até parece coceira de bicho de pé, e que chega a provocar riso, até um prazer enorme, explosão vulcânica que tem nome de orgasmo, e que deixam aqueles que por ele passam semimortos. Mas esse prazer vulcânico que muitos pensam ser o obejtivo do sexo, eu acho que é semelhante aos três ruidosos acordes ao fim de uma sinfonia: grandiosos , fantásticos , mas eles anunciam o fim da brincadeira. Há mesmo casos de os tais três acordes acontecerem mal a sinfonia começou. Não vejo vantagem nisso embora os galos e as galinhas pensem o contrário. Bom mesmo, é o bolero de Ravel , que vai devagar e demora para terminar.
Os órgãos do sexo tornam possível uma brincadeira entre dois parceiros. Brincadeira, sim. Cada corpo é um brinquedo. Brinquedo porque o outro brinca com ele. Brincar é divertido. Dá prazer. Dá alegria. Quando um parceiro sente que seu corpo é um brinquedo do outro, é como se o outro lhe dissesse: "O seu corpo é um lugar de alegrias para min". Sobre isso , aconselho sacerdotes, pastores e líderes espíritas a fazerem sermões e meditações sobre o livro cântico dos cânticos. Esse livro deveria ser o primeiro a figurar em qualquer bibliografia de educação sexual. A educação sexual começa com poesia e não com anatomia e fisiologia. Mas o corpo é um brinquedo brincante. Brinquedo que também brinca com o corpo do outro. Essa brincadeira entre dois parceiros termina com a união dos dois. Está dito no livro de gênesis "... e serão ambos uma só carne". A experiência da união dos corpos é uma experiência de prazer e alegria. Mas , mais do que isso: é uma experiência metafísica , como se naquele momento nos voltássemos a condição em que os inventores de mito deram o nome de androginia: o masculino e o feminino unidos , em um momento de incandescência erótica. Essa experiência pode ser representada matematicamente: com dois se faz um.

O sexo também tem uma função util. Os órgãos sexuais são ferramentas. Máquinas. Com eles se fazem criancinhas. Nos tratados de medicina que por serem científicos, não conseguem falar sobre prazer e alegria, os órgãos do sexo são definidos exclusivamente em função de sua utilidade: Aparelho reprodutor. Algumas religiões acham que o prazer sexual foi invenção do diabo - não acreditam que Deus pudesse nos dar prazeres!- acham que sexo é só maquina de reprodução- o prazer sendo uma fonte de pecados. Preferiam o sexo por dever e não por prazer. A produção de novos seres humanos é coisa útil, porque se isso não acontece a humanidade acabaria. Um filho é uma garantia de que, de alguma forma, haverá alguém para tomar conta das coisas que eu amo depois que eu morrer. Matematicamente essa função de reprodução pode ser assim representada: com dois se faz três.
Isso é tudo.
Viram como é simples? Sexo não é complicado.

Complicados são os pensamentos dos seres humanos sobre ele. Os homens por razões que não entendo, passaram a considerar o sexo como uma coisa vergonhosa. Segundo os textos sagrados já citados, a primeira coisa que Adão e Eva tiveram após comer uma fruta proibida , foi que seus olhos sofreram uma perturbação e aquilo que havia saído lindo das mãos do criador , ficou repentinamente , ridículo e vergonhoso: se cobriram com tangas e toalhas de figueira, porque tiveram vergonha da sua nudez. Voltaremos ao paraíso quando pudermos contemplar o corpo da mesma forma como o criador contemplou. Isso é algo que pode acontecer de forma efêmera, quando duas pessoas que se amam estão brincando sexualmente uma com a outra.

Texto de Rubem Alves

3 comentários:

Anônimo disse...

Rubem Alves!!! Ótima escolha!!!!

Anônimo disse...

Estou cansada. Hoje, fiz uma maratona para resolver um problema causado por uma empresa de ônibus, daqui de Brasília. Fui ao Procon... Fiquei estressada. Não tomei café da manhã. Não almocei. Vim para o trabalho. POR TUDO ISSO, eu poderia me recusar a ler um texto DE CERTA FORMA longo. Mas, eu não poderia fazer isso com Rubem Alves. Não com ele. Nem com vc, por tê-lo escolhido. abraços, Aline

Pathy disse...

Oi Helen!!
Com o trabalho ando meio distante do blog, mas escrevo todos os dias, em papeizinhos.. e quando tenho chance posto tudo de uma vez.. E apesar de não estar passando por aqui com tanta frequencia quanto antes, ainda passo, sempre que estou na net!!
Ah! E obrigada pelas visitas!! =))